As raparigas que jogam videojogos têm três vezes mais probabilidades de seguir carreiras relacionadas com as STEM do que as que não jogam
Com apenas metade das raparigas face aos rapazes que se licenciam em cursos relacionados com as STEM na UE, embora com grandes variações entre os Estados-Membros, parece particularmente importante avaliar o que especificamente pode ser feito em termos de participação das jovens do sexo feminino no campo das ciências físicas e da tecnologia, engenharia e matemática (STEM). Uma pesquisa da Universidade de Surrey feita pela Dra. Anesa Hosein afirma que as jovens (13-14 anos) que jogam mais de nove horas de videojogos por semana têm 3,3 vezes mais probabilidade de estudar STEM do que aquelas que não jogam. Este foi o caso mesmo depois de levar em consideração o seu contexto socioeconómico. Assim como, a sua etnia, desempenho anterior e quão boas na matéria escolhida elas se sentiam.
No passado dia 22 de abril de 2021, no evento Girls in ICT, que incentiva raparigas e jovens mulheres a prosseguirem uma educação nas STEM, a ISFE (Interactive Software Association of Europe) falou com a Dra. Anesa Hosein, da University of Surrey sobre a sua pesquisa e questionou o que será necessário fazer para mudar as normas e mentalidades de género. De modo a expor as jovens a modelos de desempenho relevantes.
ISFE: Começaremos com a sua pesquisa. O que nos tem a dizer sobre ela?
Dra. Anesa Hosein (AH): O meu interesse de pesquisa é em estudos longitudinais baseados na teoria do curso de vida. Investigo como é que os eventos na infância de uma pessoa podem afetar o que acontece com ela mais tarde. Nesta pesquisa, investiguei se jogar videojogos quando um jovem é adolescente pode afetar o tipo de curso que acabam por escolher. Através do uso do estudo Longitudinal Study of Young People in England (LSYPE), descobri que para as raparigas, em particular, se jogarem muito (ou seja, mais de 9 horas por semana), têm três vezes mais probabilidade de tirar um curso em Ciências Físicas, Tecnologia, Engenharia ou Matemática (STEM) do que as raparigas que não são jogadoras em comparação com as outras opções de licenciatura.
ISFE: Será que o reconhecimento por parte dos professores de que estas raparigas jogam videojogos poderá ajudá-los a incentivá-las a seguir carreiras em STEM?
AH: Atualmente há uma baixa aceitação de raparigas que pretendem carreiras em STEM, especialmente naquelas pertencentes a um nível socioeconómico mais baixo. Sem mulheres e raparigas, perdemos inovações e novas perspetivas que pessoas de diferentes origens podem trazer para o campo da ciência e da engenharia. Podem não apenas ajudar a resolver os desafios sociais globais, mas também a criar inovações que atendam às suas necessidades e que as representem.
Jogar videojogos ensina e melhora a resolução de problemas, o raciocínio espacial, a criatividade, a estratégia e as habilidades digitais das raparigas. Estas são habilidades importantes para as disciplinas em STEM. Se os professores puderem identificar raparigas que gostam de jogar videojogos, poderão apoiar e encorajá-las a explorar e a identificar se uma carreira STEM é-lhes apropriada.
No entanto, essa abordagem precisa de ser cautelosa e equilibrada. Talvez haja raparigas interessadas em STEM que não joguem videojogos.
ISFE: Existe a noção de que as raparigas são menos propensas a dizer que são jogadoras de videojogos? E qual a razão?
AH: A sociedade perpetua o estereótipo de quem é que são os jogadores de videojogos. Nos filmes e na TV, os cientistas das STEM são representados como geeks do sexo masculino que são academicamente brilhantes, dedicando-se a hobbies como os videojogos. Além disso, é frequente chamar-se aos videojogos “brinquedos para rapazes” ou “engenhocas de homens”. Portanto, as raparigas podem estar menos dispostas a alinhar-se com esse estereótipo de videojogos, pois não se veem a si próprias representadas.
ISFE: Como deve ter visto, a Agenda Europeia de Competências pede um enfoque explícito para atrair jovens raparigas para carreiras em STEM “ao encorajar uma abordagem de ensino e aprendizagem interdisciplinar e inovadora nas escolas”. O uso de videojogos nas salas de aula ajudaria as raparigas a seguirem carreiras em STEM?
AH: Acredito que o uso de videojogos dentro da sala de aula pode proporcionar às crianças uma maneira diferente de construir e explorar a sua aprendizagem. O que pode ser benéfico na investigação do mundo por meio de uma abordagem mais holística. O uso de videojogos na sala de aula, se efetuado de maneira adequada, pode deitar por terra diversos estereótipos. Desta forma, oferece às crianças a oportunidade de explorar e aprimorar as suas habilidades digitais, criativas e de resolução de problemas. Nesse sentido, pode permitir que as raparigas considerem seguir uma carreira STEM ou uma carreira interdisciplinar, como efeitos visuais digitais.
ISFE: Acha que projetos como o “Games in Schools” da European Schoolnet e da ISFE, que são principalmente direcionados a professores do ensino básico, têm um papel importante a desempenhar?
AH: Existe um equilíbrio delicado entre os professores identificarem as raparigas que são jogadoras de videojogos e estereotipar as raparigas simplesmente porque são jogadoras de videojogos. No entanto, os professores geralmente fornecem inspiração e podem ser modelos de conduta para as crianças na sala de aula. A qualificação dos professores para usar jogos na sala de aula, especialmente as professoras do ensino básico, pode permitir que as raparigas que jogam videojogos se sintam representadas e vistas. O que pode fornecer a conexão necessária para permitir que os professores discutam carreiras futuras (incluindo STEM) com essas raparigas.
ISFE: Falou sobre o papel que os professores podem desempenhar na identificação de raparigas que jogam videojogos. Quais são algumas das suas recomendações aos decisores públicos que pretendam potenciar as carreiras em STEM nas raparigas?
AH: Um dos desafios existentes na colocação de raparigas em licenciaturas STEM é a trajetória que tende a ser irregular. Em cada estágio da educação de uma rapariga, existe maior propiciedade a que esta abandone as disciplinas STEM do que os rapazes, embora o desempenho de ambos seja semelhante. Tal sugere que as raparigas precisam de mais orientação e incentivo para buscar disciplinas STEM, tanto dos pais quanto dos professores. Além disso, as estruturas sistémicas também podem precisar de mudar para mostrar às raparigas que a carreira em STEM é um lugar para elas, proporcionando-lhes modelos femininos adequados. No entanto, um desafio é identificar as raparigas com maior probabilidade de seguir carreiras em STEM e incentivá-las. A minha pesquisa sugere que um dos grupos-alvo são raparigas que jogam videojogos. Isso, portanto, não significa que se negligencie as raparigas que não jogam videojogos de seguirem uma carreira em STEM.
ISFE: Por último, como surgiu esta sua pesquisa? Qual o seu interesse por este tópico?
AH: Esta pesquisa surgiu porque (1) sempre me preocupei com que mais raparigas possam prosseguir carreiras STEM. E (2) gosto de pensar sobre quais as intervenções de início de vida que podem ser úteis para fazer com que as raparigas considerem um percurso STEM. Comecei a refletir sobre o porquê de me ter formado em Física. Lembro-me de ter jogado uma boa quantidade de videojogos quando era adolescente e de me perguntar se isso tinha tido algum efeito. Quando fiz um apanhado sobre as pesquisas nessa área, apercebi-me que faltava essa pesquisa; muitos pesquisadores conjeturaram que podia haver uma correlação mas faltavam evidências. Como tive acesso aos dados longitudinais, achei que era uma oportunidade perfeita para realizar a análise.